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Mulher caminhoneira: elas estão fazendo a diferença

Publicado em 27 de março de 2024 - 6 minutos

É verdade que os homens ainda são maioria nas estradas. O Brasil possui mais de dois milhões de caminhoneiros e, de acordo com dados da Confederação Nacional de Transportes, as mulheres representam apenas 0,5% desse total – o que colocado na ponta do lápis dá um número um pouco acima das 100 mil profissionais. No entanto, as motoristas vêm ganhando cada vez mais atenção merecida nas estradas.

 

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A presença delas não é exatamente nova. Oficialmente reconhecida como a primeira caminhoneira do país, se estivesse viva Neiva Chaves Zelaya, a Tia Neiva, completaria 100 anos em 2025. Essa sergipana de Propriá, a 127 quilômetros da capital Aracaju, começou a se dedicar ao transporte nos anos 1950. Em uma época em que a mulher que assumia o volante era vista com estranhamento pela sociedade, Tia Neiva tirou habilitação, botou o caminhão na estrada e passou a levar e trazer cargas por todo o país.   

 

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Nas horas vagas: da janela do caminhão para a telinha do telefone celular

 

Atualmente, há caminhoneiras que no intervalo entre uma e outra entrega costumam compartilhar seu dia a dia nas redes sociais. A presença da caminhoneira Cleusa Ximendes nas rodovias é fácil reconhecer, chamando a atenção com o caminhão rosa impossível de disfarçar. Um veículo de 30 metros de comprimento, que muito marmanjo deve ter dificuldade de manobrar no pátio do posto. Ela mesma, que já participou de um quadro no programa “Domingão” de Luciano Huck, publicou vídeo ensinando a estacionar o veículo com maestria. 

Para os próximos dias, a caminhoneira aguarda uma carreta nova, modelo que ajudou a formatar, resultado de sua vivência de duas décadas na estrada e da conversa para entender as necessidades de outros profissionais. “Tem tudo o que o motorista precisa e a gente prevê utilizar esse caminhão para exibir em eventos também”, conta.

Mãe de três filhos, aos 54 anos, Cleusa é avó, ajuda a capacitar mulheres caminhoneiras e sonha em abrir uma escola grátis de preparação das profissionais. O ideal, segundo a mestre, é que os alunos cheguem com alguma experiência no frete, já que ela ensina a conduzir rodotrens – modelo de 9 eixos que, somando o conjunto todo de caminhão, dois semirreboques e a carga completa, pode chegar a 74 toneladas. “Quando a pessoa tem experiência no transporte, aprende em cerca de 20 dias. Treina do meu lado no caminhão, não cobro nada, só peço para ajudar nas despesas. Se é mulher dorme na beliche dentro da boleia. Se é homem, na rede lá em baixo”, explica.  

Natural de Pelotas (RS), a caminhoneira costuma voltar para casa uma vez por ano e conversou com o Blog Michelin para o Meu Negócio via telefone, enquanto aproveitava a pausa na cidade de Flores da Cunha, a cerca de 150 quilômetros de Porto Alegre. “Eu praticamente moro no caminhão”, diz Cleusa, que começa o trabalho quando o sol nasce, porque a luz do dia traz mais segurança, e ressalta a frequente dificuldade de encontrar um local seguro à noite para encostar o caminhão e dormir à beira da estrada. 

“A mulher precisa tomar cuidados extras. Nos pátios das rodovias, quando encostamos o caminhão para descansar, a gente procura estacionar em uma área com mais claridade. De preferência, em uma vaga visível para outras pessoas, o que ajuda a identificar qualquer movimentação estranha”, destaca.

Uma de suas principais lições na estrada é a solidariedade, distribuindo boas ações. Em todo esse tempo nas rodovias, calcula ter promovido o reencontro de mais de 20 andarilhos com suas famílias. “São pessoas que saíram de casa às vezes há 30 anos. Já encontrei advogado, professor. Puxo assunto, dou comida, roupa, chinelo, pergunto nome, a cidade de onde veio, coloco as informações nas redes sociais. Tem gerente de posto que ajuda, prefeituras. É muito emocionante”.

 

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Elas estão se preparando para pilotar, são mais cuidadosas que os homens e se envolvem 10 vezes menos em acidentes de trânsito

A tendência é que exemplos como o de Cleusa se multipliquem. O interesse das mulheres pela boleia tem motivado a abertura de cursos especialmente dedicados à direção feminina. Se você tem mãe, irmã, filha, tia ou sobrinha (e, por que, não, avó?) interessada em assumir o volante do caminhão, vale conhecer a formação da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet). Desde quando foi criado há dois anos, o programa “Na Estrada com Elas” já garantiu diploma a mais de 249 mulheres e emprego a cerca de 70% delas.

Os números do Observatório Nacional de Segurança Viária indicam que as participantes aprendem com sucesso. Considerando a condução de todos os tipos de veículos, além dos caminhões, motoristas do sexo feminino responderam por apenas 12% dos cerca de 100 mil acidentes de trânsito no país em 2022. Nem tudo, porém, é uma estrada livre de barreiras. 

Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) apontou que 9 a cada 10 caminhoneiras já tiveram suas habilidades na profissão questionadas pelo simples fato de serem mulheres. Além dos relatos de casos de assédio, a estrutura dos banheiros nos postos de combustíveis é considerada ruim ou péssima por 70% das motoristas, que pedem mais segurança nesses locais. 

  • Caminhoneira também é cultura

Mad Max: Fury Road - Official Main Trailer [HD]

Embora em número reduzido, as caminhoneiras já foram personagens de séries e filmes, como “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) e “Brazil: o outro lado do sonho” (1985), que contou com a participação especial do astro Robert De Niro, famoso por filmes como Coringa (2019) e o Poderoso Chefão: parte II (1974). Em São Paulo, dez caminhoneiras personagens da vida real e de diferentes regiões do país integram a exposição “A vida em movimento”, do Museu da Pessoa. A mostra lançada em 2022 pode ser conferida online no site: https://avidaemmovimento.museudapessoa.org/

 

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